quinta-feira, 23 de junho de 2016

Aline Karla A realização de um sonho de criança

Aline Karla A realização de um sonho de criança

São cinco horas da manhã de uma segunda-feira em Caaporã, na Zona da Mata Sul paraibana, a pouco mais de 60 quilômetros da capital, João Pessoa. É mais um dia de frete. Aline acorda e primeiro vai cuidar de atividades de casa que não abre mão, como preparar o café da manhã do marido e do filho de apenas seis anos, que já deve sair para a escola antes de ela se arrumar para o trabalho.


 
Pequenina, o corpo franzino, mas bem definido, fica quase imperceptível na larga camisa sem corte. ´É bom assim (referindo-se à camisa) para não perder o respeito dos colegas”, explica, falando sobre o forte preconceito, muitas vezes sob a forma de insinuações nem sempre românticas, que já foram mais fortes nos primeiros anos de trabalho mas que persistem até hoje. 

Vaidosa, Aline não deixa de lado alguns cuidados femininos mesmo trabalhando num ambiente predominantemente masculino. Os longos cabelos negros são presos num rabo de cavalo no alto da cabeça, calça jeans, sapatilhas cor de rosa e vistosas argolas completam o visual. 

Aline Karla da Silva tem 28 anos e há quatro é caminhoneira profissional, mas começou a pegar a carreta do pai aos 17. “Isso aqui é minha paixão”, repete várias vezes durante nossa conversa. 


 Já na rua de casa, arrumando a carreta de modelo Scania carregada com várias grades de cervejas que devem ser entregues até o final do dia em Natal (RN), ela conta um pouco mais sobre as dificuldades da profissão. “É preciso muita coragem, ousadia e força porque não é fácil pegar a BR”.

A paixão pelo veículo de carga pesada começou ainda na infância. Ela lembra quando o avô a colocava, junto com os irmãos e os primos, na boléia da caminhonete – uma festa para os pequenos. O avô e o pai de Aline também são caminhoneiros, mas nem sempre aprovaram a escolha da menina. “Meu avô e meu pai ficavam preocupados... vocês sabem, a fama de mulher de estrada, de ficar falada (...).”

 

 A escolha por se profissionalizar veio com o desejo de ajudar o pai, que sofre com uma doença crônica nas articulações e muitas vezes perdia o dinheiro do frete porque não tinha condições de dirigir. Era obrigado a depender de estranhos, a contratar terceiros para guiar a carreta pelas rodovias, sempre em percursos curtos. Depois de o pai perder uma carga importante, Aline tomou a decisão final. 

Sabendo que o pai não aprovaria – queria que a filha fosse enfermeira ou professora de matemática -, a paraibana escolheu um dia em que o pai estava fora e foi sozinha ao Detran do Recife (PE) tirar a habilitação tipo E. “Quando eu estava no meio do caminho, meu pai me ligou. Foi aquela confusão (...) ‘o que você pensa que está fazendo?, ele perguntava. O que você foi fazer, Aline! E eu, cheia de orgulho: 'Pai, estou tirando minha carteira de habilitação, estou me profissionalizando para pegar a estrada'”. 


 Foi com essa determinação que Aline aceitou fazer o que ela chama de prova de fogo: pela primeira vez, pegar a estrada sozinha. “Meu pai disse que eu ia fazer a prova de fogo dele. Que, se eu passasse, ele tinha certeza de que era isso mesmo que eu ia fazer da minha vida”. 

A carga deveria ser entregue em Garanhuns, no Agreste pernambucano. Era a primeira vez que ela iria para tão longe - mais de quatro horas na estrada percorrendo mais de trezentos quilômetros só na ida.

“Eu estava muito ansiosa, era muita adrenalina. Eu sabia que era uma prova final para mim (...) uma provação profissional. Quando eu cheguei em casa, meu pai olhou para mim, segurou na minha mão e disse: “Parabéns. Agora a decisão é sua.” Missão cumprida. 

Hoje, com a bênção do pai e o respeito conquistado, Aline só pensa em ter a independência de um dia possuir sua própria carreta para poder continuar a viver sua vida com paixão. 


 
 Fonte: Uol

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